― Você ainda chegaria em mim hoje, se me visse sozinha tomando o meu drink em um bar qualquer?
― Claro que sim. Por que isso?
― Não sei. É que às vezes tenho a impressão de que já nos acomodamos e que sou como aquele velho livro que você conhece a história de cor e deixa na estante apenas por enfeite ou afeição, mas no fundo já se cansou da história.
― Eu nunca vou me cansar.
― Da história?
― Só se for da nossa história. Eu nunca vou me cansar de você, menina boba.
― Como você pode estar tão certo disso?
― Porque ninguém nunca me olhou com tanto cuidado, com tanta atenção a ponto de perceber que o meu olho esquerdo às vezes assume um reflexo violeta, dependendo da luz. Ou quis tanto entender o meu trabalho e a minha visão sobre Godard; a maioria das pessoas perguntava apenas por educação, mas você não, eu podia ver o interesse genuíno nos seus olhos. Ou quis tanto fazer um jantar indiano para mim.
― Nem me lembra daquele jantar. Não sei como você não desistiu de mim, ali.
― Pensando bem, nem foi tão desastroso assim.
― Não, foi pior.
― Tá, a comida pode não ter ficado boa, mas de novo, ninguém nunca se esforçou tanto para fazer algo por mim, pelo simples fato de querer me ver feliz, como você fez naquela noite. E embora cozinhar não tenha se mostrado o seu forte, a forma como você se mostrava tão dona de si na minha cozinha, tão bem adaptada ao meu espaço fez aquela noite valer a pena. Sem falar no lindo rubor que tomou conta da sua bochecha quando eu sugeri que você não partisse naquela noite.
― Eu estava tão envergonhada por ter falhado no jantar e você ali, sendo todo fofo comigo.
― Acho que eu me dei conta que te amava naquela noite, enquanto te via dormindo ao meu lado, o rosto tão sereno, ressonando baixinho e então você se virou, enganchando o seu braço no meu e logo vi que eu poderia dormir daquela forma todas as noites pelo restante da minha vida.
― Por que você nunca me contou isso?
― Não sei, acho que nunca houve uma oportunidade para trazer o assunto a tona.
― Hum.
― Sabe por que mais eu sei que nunca vou me cansar de você?
― Por que?
― Porque já tentei pensar a minha vida sem você e ela se torna tão sem graça, tão previsível. Não é que eu dependa de você ou não viva sem você, não é isso, mas quando alguma coisa boa acontece comigo a primeira necessidade que sinto é de compartilhar a alegria com você. Eu quero te contar as coisas, ver se a sua cara ou a sua reação vai ser a que eu imaginei e eu quero ouvir o que você tem pra me contar também. Podemos até ter caído numa espécie de rotina, mas você não é uma história repetida que eu sei de cor, muito pelo contrário, com você um dia nunca é igual ao outro.
― Droga!
― Que foi?
― Olha lá você sendo todo fofo de novo.
― Só com você.
Ahhh…o amor! faz tudo ficar tão mais bonito e colorido!
“a impressão de que já nos acomodamos e que sou como aquele velho livro que você conhece a história de cor e deixa na estante apenas por enfeite ou afeição, mas no fundo já se cansou da história.”
Faz né? Só precisamos cuidar dele com carinho porque se não a cor desbota