Eu não me arrependo de ter te conhecido.
Não me arrependo do dia em que você chegou, com o seu brilho ofuscante, fascinante, estonteante. Você, que parecia um príncipe saído de alguma novela medieval, um nobre avassalador de alguma distante e fria terra.
Não me arrependo de ter me apaixonado instantaneamente por aquela imagem angelical. Não me arrependo de ter deixado meu coração bater forte, tão forte que machucava meu peito. Quando nossos olhares se cruzaram, pelo azar do acaso, e você sorriu; aquele sorriso poderoso, branco como a alva, reluzente como ouro branco. Sim, eu sei que foi um mero sorriso de cordialidade, seguido de um gesto à toa de cumprimento. Um sorriso que você, certamente, distribuíra várias outras vezes naquele dia, para várias outras pessoas. Mas para mim aquele sorriso – oh! Aquele sorriso! – teve a força de mil furacões; eu pude sentir as ondas de choque que se abateram sobre mim. E desde aquele dia você povoou meus sonhos, quando eu dormia e quando eu estava acordado. Em casa, na aula, no banho, no trânsito, aos trancos e barrancos. Você, garoto, dominou meus pensamentos.
Eu não me arrependo de ter me aproximado de você, sedento pela sua atenção. E não me arrependo quando você, de tão bom grado, ofereceu-me sua amizade. E, através desta oferta irrecusável, vieram mundos e fundos de você. Se eu pudesse viver mais uma vez aqueles momentos… Nossos cinemas juntos – ainda que acompanhados de mais uns dez outros e outras que não me provocavam o menor arrepio -, mas, ainda assim, o nosso cinema juntos, o nosso momento juntos (afinal, eu me sentava ao seu lado “por coincidência” quase sempre – lembro a frustração que eu senti por semanas quando aquela morena bonita sentou entre nós dois, e essa morena – ah! Essa morena, que entrou na minha vida deste jeito, aquela com quem, alguns meses depois, você estaria predestinado a ficar junto, sua pele clara e seus negros cabelos que caíam nos seios fartos e belos; e você, com seu ruivo irlandês e seu corpo escultural, com sua voz arrojada e seu sorriso de covinhas, fazendo o par perfeito com ela, Ariel e Eric ao contrário); o bar toda sexta-feira depois da faculdade, quando você bêbado saía distribuindo abraços e sorrisos, e me abraçava apertado e dizia: “Cara, eu te amo, você é o melhor amigo que eu tenho” (será mesmo que você, penso comigo mesmo rindo sozinho, será que você nunca percebeu meu coração batendo freneticamente toda vez que você dizia esta frase, mais mágica que o Abracadabra, quando você colava meu peito com o seu, meu coração com o seu?). E eu já havia sucumbido ao poder esmagador do amor.
Sim, aquilo foi amor! As noites em que eu ia dormir confortado com a lembrança de você naquele dia. Ou aqueles dias angustiantes em que não nos víamos, por razões que só o Universo arteiro conhece. A minha alegria genuína quando eu te via feliz. A preocupação e a angústia que me corroíam quando eu te via triste ou nervoso com alguma coisa (e você sempre enigmático, nunca se abria, nunca falava).
Não, eu não me arrependo de nenhum dos meu sacros segundos que eu ofereci a você. E se há algo que eu evoco daquele glorioso período da minha vida, este algo foi aquela noite, aquela festa, em que nenhum de nós dois conseguia se divertir (“Festa estranha com gente esquisita”, o poeta cantou). E nossos olhares novamente se cruzaram, os meus castanhos olhos entristecidos pelos golpes que a vida me deu, os seus olhos verdes e mortiços, eletricamente vivificados, desesperados para sair dali. E ao meu sinal, nós cruzamos aquele apartamento, saímos juntos pela porta da frente, você ia dizer algo, mas eu, já sem muito controle por conta do álcool maroto, pus os dedos nos seus lábios e fiz “Shiii” e você, igualmente entorpecido, consentiu e calou. E descemos o elevador juntos, caminhamos juntos no pátio soturno que abria clareira na floresta de prédios daquele condomínio. E desaparecemos na escuridão amiga da noite, até ficarmos sós. E pela primeira vez você se abriu, você me contou as suas dores, você chorou lágrimas quentes que lavaram meu pescoço e meus ombros, no momento em que eu te abracei, forte, apertado, pois agora eu estava lá por você e ninguém te faria mal, eu não deixaria; naquele abraço poderíamos ficar para sempre, que eu estaria feliz. E então o beijo… rápido, rajado, instantâneo. Alguns segundos em que os nossos lábios – e apenas eles – se colaram e produziram uma transferência eletrostática acelerada entre nossos corpos, as correntes percorrendo todas as minhas veias e artérias e chegando até você, percorrendo o couro da sua cabeça até a ponta dos seus dedos dos pés. Eu senti e você também, aquela realidade totalmente nova e apaixonante. Depois, seus olhos assustados encontraram os meus, serenos como há muito não ficavam e naquela escuridão, permanecemos mais um pouco, o abraço que não queria ceder, a respiração ofegante de ambos, tão audível quando um grilo no brejo (como teria sido fácil sermos pegos no flagrante do amor; mas que assim tivesse sido! Eu me orgulhava do meu sentimento).
Eu não me arrependo de nada ter dito, de nada ter questionado quando seus sorrisos abertos e abraços deram lugar a um meio-sorriso sem jeito e só algum cumprimento manual. E não me arrependo de ter-lhe visto de mãos dadas com a morena do cinema, sorrindo tão apaixonadamente por ela… e ela por você… e eu nada fiz para sabotar este amor proibido (você era meu afinal e eu não dividia… Pelo menos era o que eu pensava…). Continuei a não me arrepender quando você declarou publicamente seu amor por ela e eu fui felicitar o casal (e eu realmente estava em parte feliz por vocês) e você foi conhecer os pais dela (mamãe teria te adorado, se tivéssemos sido nós dois… Oh, com quantos “Se” eu construirei meu castelo de desilusões?). E não me arrependi de ter ignorado seus olhares incessantes para mim, quando finalmente não mais nos falávamos, nem sequer parecia que um dia fomos companheiros de jogo de futebol. Seus olhares que me procuravam, que me chamavam, que queriam me dizer… o quê, meu Deus, o quê?
Por fim, um dia, soube que você e a morena foram morar juntos e os pais de ambos já se conheciam. Aí eu soube que era tarde demais para mim!
Eu não me arrependo, em nenhuma circunstância, de ter te amado. E jamais me arrependerei! Mas, oh!, eu nunca disse a frase mágica para você, afinal da minha boca, suas lindas e rosadas orelhas nunca captaram: “Eu te amo, meu príncipe querido!” Não, eu nunca disse que te amava, nunca verbalizei a realidade das minhas emoções para você. Nem o beijo na escuridão do pátio teria tido o poder de um “Eu te amo” puro e sincero. Talvez as coisas tivessem sido diferentes… Talvez você…
Eu nunca disse que te amava… E DISTO EU ME ARREPENDEREI PARA SEMPRE!
Caramba, meu texto saiu! Fiquei até emocionado rsrsrs
Engraçado, li ele todo de novo e senti mais uma vez todas as emoções que aqueles momentos me causaram. Complicado quando você vive um amor proibido. Ainda me pego pensando o que os olhares dele, lá na fase final da nossa relação, queriam dizer. Mas já é tarde para descobrir. Meu cabelinho de fogo já encontrou outras mãos para lhe afagar a cabeça.
Como eu disse, os sentimentos estão presentes em cada linha. Parabéns pelo lindo texto.
Muito obrigado pelos elogios, Taty, e, principalmente, por me ceder este espaço para soltar este amor não-concretizado que não me saía/sai da cabeça. Espero que o cabelinho de fogo esteja feliz com a morena do corpão escultural.
Queria conseguir desapegar assim.