
Respiro fundo uma última vez antes de abrir a porta do seu quarto e quase não te vejo atrás da pilha de roupas e outros objetos sobre a cama. Aquela era a deixa que eu precisava para dizer tudo o que vinha preso em minha garganta desde o dia em que você me contou que ia passar uma temporada em Dublin, sem data pra voltar. Tudo o que eu ensaiara tantas vezes diante do espelho antes de ir até a sua casa te ajudar a terminar a mala. Não dava mais pra adiar. A mala, nem o que eu precisava te dizer.
Fica, por favor. Você não precisa viajar pro outro lado do mundo pra tentar encontrar um sentido pra sua vida. E se eu te disser que eu sou o que você vem procurando, assim como você é o que eu procurava em todas as outras garotas? Eu sei, não faz sentido. Mas porque tem que fazer? A gente se conhece a vida toda e era natural que acabássemos nos apaixonando. Nossas mães sempre previram que isso ia acontecer, lembra? Então, porque não? Por que continuar insistindo em buscar em outras pessoas o que está bem diante da gente? Olha só, comigo você não ia ter que passar pela angústia de planejar conversas para preencher os possíveis silêncios nos primeiros encontros, não ia ter que passar por todo aquele pesadelo do primeiro encontro desastroso, não precisaria colocar salto e roupa nova, afinal eu já estou acostumado com você vestida pra matar, mas também de moletom e pijama. Eu já conheço e amo todas as versões de você, como você conhece todas as minhas. Tá, talvez não todas, mas a maioria. Eu sei exatamente o que fazer quando você está chateada, sei se você precisa de um chocolate, de um ombro pra chorar, ou apenas de alguém que te abrace e fique em silêncio com você. Você sabe que é só aparecer com cookie de chocolate com pistache na minha frente que eu derreto todo. Os nomes que queremos para os nossos filhos são exatamente os mesmos. Por que não nos dar pelo menos uma chance? Você mesma sempre disse que a amizade era a base para qualquer relacionamento dar certo. Então, isso nós já temos de sobra.

Fui despertado do meu monólogo interior pelo seu corpo colidindo com o meu. Seus braços se fechando ao redor do meu pescoço e mais uma vez tive que respirar fundo. Mas dessa vez pra conter o bolo em minha garganta e pra tentar reter o máximo do seu perfume em minha mente. Como eu vou sentir falta disso. De você inteira.
E se der errado? E se eu não gostar de Dublin?, você me perguntou, visivelmente assustada com a aventura na qual estava prestes a embarcar. Tão típico de você. Eu vou sentir falta disso também.
Você só vai saber indo.
E o Oscar de melhor ator vai para…
Como vou viver sem você?
Fala, fala… essa é a sua deixa. Fala logo.
Eu sempre vou estar aqui pra você.
E essa era toda a verdade que eu seria capaz de dizer esta noite. E a única que ela precisava ouvir.